sábado, 9 de fevereiro de 2013

Não asso bolo a 180°C



Adoro programas de receita ou qualquer coisa na TV que fala de comida. De verdade. Acho que quando estou na casa dos meus pais (que pega mil canais ao contrário da TV de casa que pega um canal por posição da antena) mais da metade do que assisto tem a ver com comer.

E infelizmente programas voltados pra receitas mostram cada vez menos as dita cujas. Coloque isso até ficar assim, com essa cobertura pronta e vai ficar assim só decore e pronto. Isso é tremendamente irritante.

Mais do que isso: cozinhar passa a ser algo feito por pessoas que estudaram pra isso. Pessoas técnicas, presas a medidas e livros de receitas. Perdeu-se a dona-de-casa de mão cheia, o ex lavador de pratos que virou chef.

Um dos recentes episódios de Top Chef que assisti, um dos jurados (Tom Colicchio) esculachou uma das participantes que disse “é só seguir o que ta escrito no livro”

Não!!! Não é! Um bom chef aprende a cozinhar testando, fazendo e errando a receita. E não seguindo instruções de um texto técnico.

Ótimo que você saiba fazer um bolo de chocolate com 200g de chocolate do padre 66% cacau e 4 ovos. Mas e quando você tiver apenas Nescau e três ovos em casa? Você já errou e esqueceu ingredientes pra saber o que cada um faz no bolo? Pra saber pelo que eles podem ser substituídos? Não! Porque a maioria desse pseudo-cozinheiros cozinha por glamour então nunca terão uma dispensa sem favas de baunilha ou um liquidificador quebrado.

Pior do que isso são aqueles que apresentam receitas de apenas uma coisa. Por exemplo, cupcakes. Acho que já deixei bem expresso meu rancor por esse tipo de receita modinha. O foda é quando vai uma menina mimada de unhas compridas e pintadas, pra só dar receitas de cupcakes, enfeites para cupcakes, confeitos de cupcakes, embalagens de cupcakes sem ao menos dar a receita da maldita pasta americana!!!!!!!!!! Chega-se ao ponto de que uma das receitas do programa é Açúcar colorido. A não ser que você seja um completo imbecil você sabe jogar corante alimentício no açúcar!
Como alguém que só sabe cortar confeitos em forma de flor com um cortador de flor apresenta receitas na tv enquanto eu to aqui pondo louça na lava-louça??

Eu acredito que programas de culinária tem a pretensão de ensinar algumas receitas e alguns até com a boa vontade de ensinar a cozinhar.

Pegar uma ou outra receita e tentar, pra fazer um jantar numa noite ou um almoço festivo é muito legal. E receitas na internet bem descritas servem bem ao propósito.

Mas somente a prática, experimentando as receitas do jeito que mandam e vendo o que pode e quer se mudar nelas, trocando ingredientes e modo de preparo vão realmente ensinar a grande teoria culinária.

Nunca vão chegar e te dizer durante uma semana todas os grandes segredos e todas as possibilidades de alguma coisa dar errada e como acertá-la. Não vão te ensinar a criar algo novo.

A verdade é que colocar cozinheiros iniciantes (de cozinha, não de idade) sem experiência nas adversidades da cozinha somadas a uma péssima didática pra ensinar e pouco tempo na TV resultam em receitas mal explicadas, em que cada passo aparece pronto, sem se saber como foi o processo que resultou naquilo.  Uma tragédia.

Defendo um cozinhar humilde, em que as pessoas aprendam antes de ensinar. Não só com livros, mas com outras pessoas, com o desespero. E na hora de passar tudo isso pro próximo, ensine-se direito. Passo a passo. Fazendo junto. Nada de receitas de 5 minutos em que cada etapa está já separada. Não. É necessário fazer junto com o aprendiz. Comentar as dificuldades, o que pode dar merda na receita e o que pode torná-la melhor.

Palmirinha, em seu antigo programa, tinha 50 minutos pra passar apenas uma receita. Ela não é o exemplo perfeito de aproveitamento de tempo, já que acabava passando a grande parte lavando as mãos ou falando de coisa boa e finalizava o prato nos cinco minutos finais no desespero. Mas a verdade é que durante cada etapa ela comentava com a diretora e com o “Guinho, cada ponto da receita e depois respondia perguntas das amiguinhas deixadas pra ela como dúvidas de uma receita anterior.

É tipo vó ensinando. E é isso mesmo.

Miro no exemplo que tenho em casa e que eu mesmo acabei herdando. Minha avó que faz receitas incríveis sem seguir nenhuma receita. Sua rosca tem quantidade de ovos, açúcar, farinha e fermento que variam com o que ela tem. Se o fermento está estragado ou o clima está frio para o pão crescer, não importa. Vai dar certo. Porque sempre dá e sempre deu.

Nas férias quem cozinha em casa sou eu. Acaba aliviando um pouco pra minha mãe. Mas enfim, nesses dias o que acontece é que eu sempre fico enrolando até 20 pro meio-dia pra começar o almoço. O problema é que meio dia e quinze todo mundo chega em casa pra almoçar e as pessoas tem horário pra sair. Ou seja o almoço TEM que estar pronto no horário certo. Tanto é que eu aprendi a fazer as coisas rápidas e eficientemente. Digo que o segredo pro meu almoço é adrenalina. Sai sempre na hora e modéstia a parte, está sempre muito bom.

O que me fez aprender é que a comida precisa dar certo. Não importa o tempo, o que tem, ou se eu perdi um dedo cortando legumes. Existem pessoas dependendo daquilo. Às vezes uma família cheia de horários, às vezes amigos mortos de fome, ou simplesmente somente eu querendo comida.

O que quero dizer depois do meu momento de revolta que inspirou esse texto é que, o “cozinhar” hoje em dia, perdeu muito de sua tradição, da experiência, do simples sentimento de gostar de cozinhar e da sua necessidade. Isso não é mais suficiente. Ou essencial.
Agora temos que suportar pessoas que veem a culinária como algo cool e que mal sabem viver sem uma batedeira ultra tecnológica ou uma forma de teflon, “ensinem” porcamente pessoas que realmente cozinham, que precisam de receitas práticas e dicas úteis, mas que sabem muito mais do que esses programinhas.
Esses, que a Tv chama de cozinha, não passam de mera ficção inútil. Algo pra se ver e talvez achar bonito.

O que vale realmente a pena são os programas reais, que ensinam de verdade. Tudo o que você imaginar na panela de pressão, Feijoada de frango, Falso chantilly, Pastel assado, bolo sem farinha, bolo sem ovos, arroz às mil maneiras. Isso são coisas que as pessoas querem saber. E mais do que tudo, são receitas chave, que na mão certa, se tornam inúmeras possibilidades de pratos.

E num dia mais calmo é sempre bom assistir uma vieira tostada com aspargos e molho de óleo de trufa. Não que você vá fazer algum dia. Mas é que provavelmente foi feito por alguém com as mãos amarradas nas costas. Ou sem o uso de fogão. Em 10 minutos.

Adoro programas de receita e continuarei a assisti-los intensamente, mesmo que esses metidos a super chefs me façam passar raiva. É só TV.
A verdade é que no fim do dia meu bolo vai com 3 ou 4 ovos, margarina fora da temperatura ambiente e nunca é assado na maldita temperatura de 180°.

Acho que, melhor do que executar um bom prato é ser capaz de fazer sua própria receita.



5 comentários:

  1. E essa que vos fala tem A mão para a cozinha. E sem frescura.

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  2. Me inspiro muito em você pra cozinhar, Glória. E não quero parecer puxa saco. : )

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    1. Obrigada Pati! É muito legal saber que estamos inspirando alguém!! Fico feliz de verdade!!! =D

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  3. Rsrs, pura verdade! Cozinhar é assim, eu digo que é que nem química, nenhuma fórmula saí 100% igual!
    Achei muito engraçada a foto de capa, rs.
    Bjs
    Felipe
    http://www.mundogastronomic.com.br

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